Prestamos homenagem ao poeta moçambicano Eduardo White (Prémio Glória de Sant'Anna 2013), falecido ontem em Maputo, com o poema “O que vocês não sabem e nem imaginam”:
Vocês não sabem
mas todas as manhãs me preparo
para ser, de novo, aquele homem.
Arrumo as aflições, as carências,
as poucas alegrias do que ainda sou capaz de rir,
o vinagre para as mágoas
e o cansaço que usarei
mais para o fim da tarde.
À hora do costume,
estou no meu respeitoso emprego:
o de Secretário de Informação e de Relações
[Públicas.
Aturo pacientemente os colegas,
felizes em seus ostentosos cargos,
em suas mesas repletas de ofícios,
os ares importantes dos chefes
meticulosamente empacotados em seus fatos,
a lenta e indiferente preguiça do tempo.
Todas as manhãs tudo se repete.
O poeta Eduardo White se despede de mim
à porta de casa,
agradece-me o esforço que é mantê-lo,
alimentado, vestido e bebido
(ele sem mover palha)
me lembra o pão que devo trazer,
os rebuçados para prendar o Sandro,
o sorriso luzidio e feliz para a Olga,
e alguma disposição da que me reste
para os amigos que, mais logo,
possam eventualmente aparecer.
Depois, ao fim da tarde,
já com as obrigações cumpridas,
rumo a casa.
À porta me esperam
a mulher, o filho e o poeta.
A todos cumprimento de igual modo.
Um largo sorriso no rosto,
um expresso cansaço nos olhos,
para que de mim se apiedem
e se esmerem no respeito,
e aquele costumeiro morro de fome.
Então à mesa, religiosamente comemos os quatro
o jantar de três
(que o poeta inconsta
na ficha do agregado).
Fingidamente satisfeito ensaio
um largo bocejo
e do homem me dispo.
Chamo pela Olga para que o pendure,
junto ao resto da roupa,
com aquele jeito que só ela tem
de o encabidar sem o amarrotar.
O poeta, visto depois
e é com ele que amo,
escrevo versos
e faço filhos.