Fotografias de Eduardo Gageiro (1964).
Comemora-se hoje o centenário do nascimento da escritora e poetisa portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004).
A programação da celebração do Centenário de Sophia inclui concertos, leituras, exposições, conferências, teatro e dança.
Nós celebramos com dois poemas da autora sobre a escrita:
«A Escrita
No Palácio Mocenigo onde viveu sozinho
Lord Byron usava as grandes salas
Para ver a solidão espelho por espelho
E a beleza das portas quando ninguém passava
Escutava os rumores marinhos do silêncio
E o eco perdido de passos num corredor longínquo
Amava o liso brilhar do chão polido
E os tectos altos onde se enrolam as sombras
E embora se sentasse numa só cadeira
Gostava de olhar vazias as cadeiras
Sem dúvida ninguém precisa de tanto espaço vital
Mas a escrita exige solidões e desertos
E coisas que se vêem como quem vê outra coisa
Podemos imaginá-lo sentado à sua mesa
Imaginar o alto pescoço espesso
A camisa aberta e branca
O branco do papel as aranhas da escrita
E a luz da vela – como em certos quadros –
Tornando tudo atento»
Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética III, Lisboa: Caminho, 1990, pág. 328.
«Escrita II
Escreve numa sala grande e quase
Vazia
Não precisa de livro nem de arquivos
A sua arte é filha da memória
Diz o que viu
E o sol do que olhou para sempre o aclara»
Idem, Ibidem, Lisboa: Caminho, 1990, pág. 348.
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