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sexta-feira, 25 de julho de 2014

Ariano Suassuna (1927-2014)



Homenageamos o escritor brasileiro Ariano Suassuna, recentemente falecido, com o excerto da sua obra-prima teatral em que uma das personagens não esconde seu espanto perante um Cristo negro:


«JOÃO GRILO
Apesar de ser um sertanejo pobre e amarelo, sinto perfeitamente que estou diante de uma grande figura. Não quero faltar com o respeito a uma pessoa tão importante, mas se não me engano aquele sujeito acaba de chamar o senhor de Manuel.

MANUEL
Foi isso mesmo, João. Esse é um de meus nomes, mas você pode me chamar também de Jesus, de Senhor, de Deus... Ele gosta de me chamar Manuel ou Emanuel, porque pensa que assim pode se persuadir de que sou somente homem. Mas você, se quiser, pode me chamar de Jesus.

JOÃO GRILO
Jesus?

MANUEL
Sim.

JOÃO GRILO
Mas, espere, o senhor é que é Jesus?

MANUEL
Sou.

JOÃO GRILO
Aquele Jesus a quem chamavam Cristo?

MANUEL
A quem chamavam, não, que era Cristo. Sou, por quê?

JOÃO GRILO
Porque... não é lhe faltando com o respeito não, mas eu pensava que o senhor era muito menos queimado.

BISPO
Cale-se, atrevido.

MANUEL
Cale-se você. Com que autoridade está repreendendo os outros? Você foi um bispo indigno de minha Igreja, mundano, autoritário, soberbo. Seu tempo já passou. Muita oportunidade teve de exercer sua autoridade, santificando-se através dela. Sua obrigação era ser humilde porque quanto mais alta é a função, mais generosidade e virtude requer. Que direito tem você de repreender João porque falou comigo com certa intimidade? João foi um pobre em vida e provou sua sinceridade exibindo seu pensamento. Você estava mais espantado do que ele e escondeu essa admiração por prudência mundana. O tempo da mentira já passou.

JOÃO GRILO
Muito bem. Falou pouco mas falou bonito. A cor pode não ser das melhores, mas o senhor fala bem que faz gosto.

MANUEL
Muito obrigado, João, mas agora é sua vez. Você é cheio de preconceitos de raça. Vim hoje assim de propósito, porque sabia que isso ia despertar comentários. Que vergonha! Eu Jesus, nasci branco e quis nascer judeu, como podia ter nascido preto. Para mim, tanto faz um branco como um preto. Você pensa que eu sou americano para ter preconceito de raça?» 

Ariano Suassuna, O Auto da Compadecida, 11.ª ed., Rio de Janeiro: Agir Editora, 16975, pp. 146-149.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Agenda: Festa Literária Internacional de Paraty 2014



De 30 de Julho a 3 de Agosto decorre, no Rio de Janeiro, a 12.ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). 

O evento, que partilha o acrónimo com o FLiP, o pacote de ferramentas linguísticas da Priberam de auxílio à escrita em língua portuguesa, será palco de debates e conferências com vários autores nacionais e internacionais, para além de exposições, oficinas, exibições de filmes e uma homenagem ao escritor brasileiro Millôr Fernandes (1923-2012).

A programação principal da Flip tem tradução simultânea e pode ser vista ao vivo pela internet. Mais informação aqui.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Lisbon Machine Learning School 2014



Teve ontem início a quarta edição da Lisbon Machine Learning School (LxMLS), escola de Verão intensiva que inclui aulas, laboratórios e palestras sobre aprendizagem automática (“machine learning”, em inglês).

A LxMLS 2014 conta com o patrocínio da Priberam e decorre até 29 de Julho, no Instituto Superior Técnico.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

João Ubaldo Ribeiro (1941-2014)


Prestamos homenagem ao escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro (Prémio Camões 2008), falecido hoje no Rio de Janeiro, através dos seguintes excertos das suas crónicas, onde é bem visível a relação do autor com a língua portuguesa.

«[...] Um pouco febril às vezes, chegava a ler dois ou três livros num só dia, sem querer dormir e sem querer comer porque não me deixavam ler à mesa -- e, pela primeira vez em muitas, minha mãe disse a meu pai que eu estava maluco, preocupação que até hoje volta e meia ela manifesta.
--  Seu filho está doido -- disse ela, de noite, na varanda, sem saber que eu estava escutando. -- Ele não larga os livros. Hoje ele estava abrindo os livros daquela estante que vai cair para cheirar.
-- Que é que tem isso? É normal, eu também cheiro muito os livros daquela estante. São livros velhos, alguns têm um cheiro ótimo.
-- Ontem ele passou a tarde inteira lendo um dicionário.
-- Normalíssimo. Eu também leio dicionários, distrai muito. Que dicionário ele estava lendo?
-- O Lello.
-- Ah, isso é que não pode. Ele tem que ler o Laudelino Freire, que é muito melhor. Eu vou ter uma conversa com esse rapaz, ele não entende nada de dicionários. Ele está cheirando os livros certos, mas lendo o dicionário errado, precisa de orientação. [...]»

João Ubaldo Ribeiro, “Memória de livros” in Um brasileiro em Berlim, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1995, pág. 137, via Projeto Releituras [página consultada em 18-07-2014]. 



«A gramática é a mais perfeita das loucuras, sempre inacabada e perplexa, vítima eterna de si mesma e tendo de estar formulada antes de poder ser formulada — especialmente se se acredita que no princípio era o Verbo. Estou estudando gramática e fico pasmo com os milagres de raciocínio empregados para enquadrar em linguagem “objetiva” os fatos misteriosos da língua. Alguns convencem, outros não. Estes podem constituir esforços meritórios, mas se trata de explicações que a gente sente serem meras aproximações de algo no fundo inexprimível, irrotulável, inclassificável, impossível de compreender integralmente. Mas vou estudando, sou ignorante, há que aprender. Meu consolo é que muitas das coisas que me afligem devem afligir vocês também. Ou pelo menos coisas parecidas. [...]»

João Ubaldo Ribeiro, “Questões gramaticais” in Arte e ciência de roubar galinha: crônicas, Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1998, pp. 96-100, via Scribd [página consultada em 18-07-2014].

terça-feira, 15 de julho de 2014

Lexicografia criativa

Já não é a primeira vez que a actualidade inspira os consulentes do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa a soltarem o lexicógrafo que há neles. Desta vez foi a actualidade financeira que contribuiu para este resultado inspirado (via Twitter):



quarta-feira, 2 de julho de 2014

Agenda: Poesia Inglesa de Fernando Pessoa




«Minha pátria é a língua portuguesa» é o célebre dito de Bernardo Soares, heterónimo de Fernando Pessoa, presente no fragmento 259 do seu Livro do Desassossego. Menos conhecido é talvez o facto de Fernando Pessoa ter também escrito grande número de poemas em língua inglesa, como estes:

V
I conquered. Far barbarians fear my name.
Men were dice in my game,
But to my throw myself did lesser come:
I threw dice, Fate the sum.

VI
Some were as love loved, some as prizes prized.
A natural wife to the fed man my fate
I was sufficient to whom I sufficed.
I moved, slept, bore and aged without a fate.

Fernando Pessoa, “Inscriptions”, English Poems, Lisboa: Olisipo, 1920, p. 18.


Para debater o tema da poesia inglesa do poeta português, decorre amanhã em Lisboa, na Casa Fernando Pessoa, um encontro que irá reunir vários estudiosos. A entrada é livre. Mais informações aqui.





Priberamt
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