Celebramos hoje o nascimento da escritora brasileira Clarice Lispector (1920-1977) com um excerto de uma crónica sua onde a autora procurava esclarecer, “de uma vez por todas”, que, apesar de ter nascido na Ucrânia, era brasileira:
“[...] Cheguei ao Brasil com apenas dois meses de idade.
Sou brasileira naturalizada, quando, por uma questão de meses, poderia ser brasileira nata. Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o meu pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor. Comecei a escrever pequenos contos logo que me alfabetizaram, e escrevi-os em português, é claro. Criei-me em Recife e acho que viver no Nordeste ou Norte do Brasil é viver mais intensamente e de perto a verdadeira vida brasileira que lá, no interior, não recebe influência de costumes de outros países. Minhas crendices foram aprendidas em Pernambuco, as comidas que mais gosto são pernambucanas. E através de empregadas, aprendi o rico folclore de lá.
Somente na puberdade vim para o Rio com minha família: era a cidade grande e cosmopolita que, no entanto, em breve se tornava para mim brasileira-carioca.
Quanto a meus r enrolados, estilo francês, quando falo, e que me dão um ar de estrangeira, trata-se apenas de um defeito de dicção: simplesmente não consigo falar de outro jeito. Defeito esse que meu amigo Dr. Pedro Bloch disse ser facílimo de corrigir e que ele faria isso para mim. Mas sou preguiçosa, sei de antemão que não faria os exercícios em casa. E além do mais meus r não me fazem mal algum. [...]”
in A Descoberta do Mundo
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